La fe del EZLN mueve pasamontañas

गायत्री — Fer;
6 min readJun 21, 2021

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Arte feita por mim. Subcomandante Marcos — Para todos todo. Junho de 2021. Acrílico e aquarela sob papel.

Deixo aqui minha breve homenagem ao SubMarcos e a luta do Exército Zapatista de Libertação Nacional, acompanhada da carta escrita há vinte e quatro anos do Subcomandante Marcos e do EZLN para Emiliano Zapata.

Zapata vive, a luta continua!

De Subcomandante Insurgente Marcos e do Exército Zapatista de Libertação Nacional ao General Emiliano Zapata

10 de Abril de 1997.

Para: General Emiliano Zapata.

Chefe Máximo do Exército Zapatista de Libertação Nacional.

Onde quer que você esteja.

Meu General:

Com a novidade de que ainda estamos aqui, Don Emiliano, aqui estamos nós. O senhor já deve saber que escrevo em nome de todos os homens, mulheres, crianças e idosos do seu Exército Zapatista de Libertação Nacional.

Aqui estamos, meu General, e aqui seguimos. Aqui estamos porque os governos continuam sem memória para os indígenas e porque os ricos fazendeiros, entre outros nomes, continuam a despejar os camponeses de suas terras. Como, por exemplo, quando o senhor convocou que lutássemos pela terra e pela liberdade, hoje as terras mexicanas são entregues aos ricos estrangeiros. Com o passar do tempo, agora os governos fazem leis para legitimar o roubo de terras. Da mesma forma, aqueles que se recusam a aceitar as injustiças são perseguidos, encarcerados, mortos. No entanto, meu General, há homens e mulheres idôneos que não estão calados e lutam para não permitir, organizam-se para exigir terra e liberdade. Por isso escrevo ao senhor, Don Emiliano, para que saiba que estamos aqui, que aqui seguimos.

O senhor recorda do que escreveu para um dos presidentes gringos, que se chamava Woodrow Wilson, porque é bom que os governos estrangeiros saibam e entendam a luta dos mexicanos. E então o senhor escreveu aquele texto… “Acontece que os fazendeiros, de despejo em despejo, hoje com um pretexto, amanhã com outro, foram absorvendo todas as propriedades que pertencem legitimamente aos povos indígenas e que desde tempos imemoriais já lhe pertenciam, e de cujo cultivo conseguiam o sustento para si e suas famílias”. E isso foi em 1914. Agora, em 1997, a história ainda não mudou.

Existem hoje leis que atacam a propriedade comunal e de assentamento, que favorecem a apropriação de terras e que permitem a venda de nossas riquezas a dinheiro estrangeiro. Essas leis foram feitas por governos mexicanos ruins, que nós chamamos de “neoliberais”, que controlam este país, que é seu e que é nosso, meu General, como se fosse uma fazenda em decadência, um grande sítio que precisa ser colocado à venda com todos os peões, ou seja, os mexicanos, meu General, todos inclusos. Sim, o senhor está certo, Don Emiliano, é uma vergonha. Não podemos viver nem morrer com essa vergonha e, então, recordamos a palavra “dignidade”, lembramos de vivê-la e de morrê-la e, assim, pegamos em armas, dizemos a todos que já basta, que chegamos ao limite, que já não dá mais, que exigimos teto, terra, trabalho, pão, saúde, educação, independência, democracia, liberdade e paz, dizemos que tudo está de acordo com a democracia, a liberdade e a justiça, que há tudo para todos, mas para nós não há nada, e muitos ouvidos e corações ouviram as palavras que proferimos do senhor, meu General, que falava sobre nós.

Como em sua época, Don Emiliano, os governos quiseram nos enganar. Eles falam e falam, mas nada se cumpre, como se não houvesse matanças de camponeses. Eles assinam e assinam papéis, mas nada que se torne realidade, como se não houvesse despejamentos e perseguição dos povos indígenas. Além disso, fomos traídos, meu General, e não faltaram Guajardos e Chinamecas, mas nós dificilmente nos rendemos à morte. Como se aprendêssemos, Don Emiliano, como se ainda estivéssemos aprendendo. De maneira geral, não quero lhe aborrecer, meu General, por que estas são coisas que o senhor já sabe, porque o senhor mesmo está conosco. E por isso enxerga, os camponeses continuam sem terra, os índios continuam esquecidos, os maus governos continuam existindo, os ricos seguem engordando e, isso sim, as rebeliões rurais também continuam. E elas continuarão, meu General, porque sem terra e liberdade, não há paz.

Agora os governos andam dizendo que não há guerra nenhuma porque a lei diz que não há guerra. Mas existe sim, meu General, e por isso somos o seu exército, porque antes a guerra era apenas de lá para cá, e agora também acontecerá daqui pra lá. Se querem matar agricultores, governos terão de morrer. Porque as exigências justas não devem ser respondidas com morte, porque se recebe a morte de troco. Veríamos que se as demandas da democracia, da liberdade e da justiça fossem respondidas com verdade, a história seria outra. Mas não agora, meu General, pois agora há pura destruição nisso que chamam de história…

Mas, assim como naquela época, meu General, agora existem pessoas de pensamentos e corações grandes. Há, por exemplo, um senhor chamado Fernando Benítez, que escreveu uma grande obra intitulada “Los Indios de México” e nela explica que a história moderna, essa que os governos e os poderosos escrevem, foi feita para tornar invisível a população indígena e é assim que fazem por si próprios os governos ruins, Don Emiliano, o senhor já sabe. Eles pensam que esquecendo ou matando um problema, ele é resolvido. Mas o problema é que nós somos os índios, e isso não esqueceremos. Devemos lutar por um lugar neste país e em sua história, por mais que precisemos nos fazer ver, que nos vejam, que nos levem em conta. E isso só poderá acontecer com a justiça.

Sim, meu General, assim como o senhor, entendemos que a terra, a liberdade e a memória, portanto, só poderiam ser feitas de maneira correta na justiça. É por isso que pegamos em armas, como o senhor nos ensinou, Don Emiliano, por liberdade e justiça. E também vimos, assim como o senhor viu, que algumas coisas só poderiam ser alcançadas com democracia. E assim como senhor, entendemos que temos de lutar contra os governos ruins para conseguir o que nos pertence.

Há muitos agricultores sem terra no México, Don Emiliano, muitos indígenas esquecidos. Uns e outros incomodam os governos ruins e os grandes ricos. Uns e outros são perseguidos pelos exércitos e pelas polícias, criminosos da mesma forma como aqueles que os enviam. Mas, os muitos indígenas e camponeses sem-terra, que não são tantos assim, somos muitos em rebeldia e em luta. Somos assim como o senhor, meu General, simplesmente rebeldes e lutadores.

Apenas lhe escrevia, meu General, para dizer que estamos aqui, e que aqui seguimos, e aqui seguiremos embora nos persigam com armas e com mentiras, por mais que queiram nos enganar, por mais que queiram nos esquecer. Aqui seguiremos porque escutamos profundamente e porque nos apropriamos de suas palavras que diziam: “Que sigamos lutando e vençamos aqueles que há pouco se prevaleceram, que ajudam aqueles que tomaram terras de outras pessoas, aqueles que fazem bastante dinheiro com o trabalho daqueles que são como nós, esses zombadores de fazendas. Esse é o nosso dever de honra, caso queiramos que nos chamem de homens de bem e que sejamos realmente bons habitantes do povo”.

Por fim apenas lhe conto, Don Emiliano, pra que o senhor ria um pouco, que esses governos ruins que ainda temos estão pensando que puderam assassiná-lo naquela tarde de abril de 1919. Eles não sabem que o senhor não morreu, mas que simplesmente tornou-se parte da gente e que dessa forma foi se escondendo e aparecendo em nós e em todos os agricultores sem-terra e em todos os indígenas esquecidos. Perceba o senhor, meu General, o quão desmemoriados estão esses governos. Esquecem o que é mais importante, o que o senhor e a gente sabemos muito bem, Don Emiliano, isto é, que Zapata vive, que a luta continua.

Adeus meu General Zapata. Saúde e muito coração, porque ainda faltam muitas contas para acertar nas terras mexicanas.

Das montanhas do sudeste mexicano.

Subcomandante Insurgente Marcos

Pelo Comitê Clandestino Revolucionário Indígena — Comando Geral

do Exército Zapatista de Libertação Nacional

México, 10 de abril de 1997

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गायत्री — Fer;

Maldito seja aquele que se julga livre para redefinir segundo seus próprios termos a maneira com o que o ‘outro’ habita este mundo. Isabelle Stengers.